Entre poder e não poder existe um universo inteiro
A moda também precisa ser um lugar de questionamentos
Desde que comecei a trabalhar como consultora de moda (há quase cinco anos), sinto que venho nadando contra a maré. Não digo isso pra me colocar em um lugar de desbravadora e nem de ter mais ou menos razão que ninguém. Mas o mercado da consultoria de moda (aliás, da moda em si) é muito antiquado. É inacreditável a quantidade de conteúdo de "pode" e "não pode" que rola nessa internet, terra de ninguém. E aí, pra comunicar o que eu realmente acredito é preciso, antes, desconstruir milhares de ideias que foram plantadas na nossa cabeça. Não, você não precisa parecer mais alta (mas se quiser, pode). Também não precisa ser elegante (mas se quiser, pode). Não existe só um corte de cabelo que vai valorizar a sua beleza. Você não precisa usar roupas super diferentonas pra ser estilosa. São tantas regras que fica difícil acompanhar.
De assuntos profundos, como padrões de beleza, até os mais simples, como modelagens específicas, tudo vira um emaranhado de possibilidades de comunicação na minha cabeça, eu juro. É cansativo ser consciente, sinceramente. Como diria um amigo meu (praticamente um poeta): "god bless os burros". A ignorância é muito prática, isso é um fato. Outro fato é que não é na ignorância que a gente conquista liberdade e autonomia na vida. A moda precisa ser também um lugar de questionamento.
Esses dias eu recebi uma pergunta ótima no instagram, sobre desejo de consumo. A dúvida era sobre como separar o que a gente realmente deseja e quer (por motivos pessoais, intrínsecos, mesmo) do que a gente acha que quer, mas na verdade só se deixou levar por um inconsciente coletivo. Sinceramente? Não sei exatamente a resposta pra essa pergunta, até porque eu considero quase impossível separar o que a gente construiu com base na nossa personalidade do que a gente incrementou por interferência do ambiente. E eu acho que tá tudo bem, mesmo, afinal vivemos em sociedade e tudo o que nos envolve interfere na nossa vida. Mas o questionamento é muito relevante, né?!
Um exercício que eu faço e é bem simples, mas eficiente, é o seguinte: quando eu vou testar uma composição nova, ao invés de ir me montando aos poucos, eu separo o look na cama, já penso no styling que vou testar, com qual calçado, quais acessórios, tudo. E aí eu provo inteiro, sem me olhar no espelho. Só me olho quando eu to "pronta", como se o resultado fosse surpresa e eu não quisesse spoilers. E aí, eu fico completamente atenta à minha primeira reação. Se foi um sorrisinho, se foi positiva, se foi de dúvida ou negativa. Essa primeira coisa que rola é a intuição e ela diz muito sobre o que a gente realmente ama, desconsiderando as opiniões alheias.
A gente já falou sobre isso por aqui, lembra? Que quando começamos a pensar no look a partir de uma perspectiva de fora, como o que os outros vão achar, se é adequado pra ocasião, se vai chamar muita (ou pouca) atenção a magia da autoexpressão começa a evaporar.
Portanto, sempre que você for impactada por algum conteúdo que te coloca em alguma caixinha ou engessa de qualquer maneira, pare pra pensar se aquilo realmente faz sentido pra você ou se é só mais um jeito da indústria te dizer o que você precisa fazer pra que ela lucre mais. O objetivo dessa conversa é te propor um exercício: antes de aceitar qualquer coisa como bonita ou feia, vamos parar pra pensar no que a gente sente? Quando você ver por aí alguém te dizendo o que você tem ou não que fazer, bora questionar?
É claro que é bem mais fácil na teoria, mas quanto mais praticamos, mais confortáveis ficamos no nosso lugar de escolha. Inclusive, sempre que falo de liberdade criativa, lembro da musa Diane Von Furstenberg, que marcou o mercado da moda aos 28 anos, quando criou o "wrap dress", ou o vestido envelope. Na minha opinião, Diane é um super exemplo de elegância, e se você pesquisar rapidinho por "looks elegantes" aí na sua timeline vai perceber que não é de vestidos com estampas e cabelos cacheados que a maioria das respostas se formarão. Pois é, tudo é relativo, né?!
Inclusive, se você fala inglês, recomendo d-e-m-a-i-s o podcast "Wiser Than Me", da Julia Louis-Dreyfus (outra maravilhosa), onde ela entrevista mulheres mais velhas e mais experientes que ela. O episódio com a Diane é tão bom quanto todos os outros. Ouça aqui.
O relacionamento mais importante que temos é com nós mesmas, porque não importa o que aconteça, você sempre estará lá. Portanto, você pode muito bem aproveitar a companhia." Diane Von Furstenberg
O mundo não é e nem jamais será o lugar perfeito pra liberdade de comunicação (seja verbal ou visual), mas a gente pode criar o nosso cantinho de aconchego, onde a nossa opinião importa mais do que qualquer conceito de terceiros e, assim, devagarinho, a gente se sente cada vez mais à vontade na nossa própria pele.